A AMAZÔNIA TEM SALVAÇÃO?

R$ 7 bilhões para salvar a Amazônia
Esta seria a verba para zerar em sete anos o desmatamento, nossa maior contribuição para o aquecimento global. Isso pode funcionar?
Juliana Arini
FUTURA PASTAGEM
Floresta queimada na Amazônia. Cerca de 70% dos desmatamentos são para a pecuária

O futuro do clima do planeta depende, em parte, do que o agricultor Roberto Carlos Kosakz vai fazer com suas florestas. Ele vai receber um lote do tamanho de 45 hectares no município de Cotriguaçu, em Mato Grosso. Pretende derrubar 20% da área, conforme a lei permite, para fazer uma roça. Mas a opção de derrubar o resto da mata para criar bois pode ser mais interessante. Se ele fizer isso, quando queimar as árvores vai lançar na atmosfera 120 toneladas de carbono por hectare. Queimadas assim são a principal contribuição do Brasil para o aquecimento global. Hoje, estima-se que nosso país seja o quarto maior responsável pelas emissões de gás carbônico, o principal fator responsável pelas mudanças no clima da Terra. Cerca de 75% de nossas emissões vêm justamente de lugares como Cotriguaçu, um dos campeões de desmatamento do país.

Foi por isso que cientistas e economistas dos nove principais institutos de pesquisa e ONGs ambientalistas do país, como Imazon, WWF, Greenpeace, Instituto Socioambiental e Ipam, se juntaram para responder à seguinte pergunta: quanto custa frear a destruição da Amazônia? A resposta que eles encontraram, divulgada na quarta-feira passada no Congresso Nacional, é R$ 1 bilhão por ano. Não é um investimento tão alto. Só as usinas do Rio Madeira, em Rondônia, deverão custar R$ 17 bilhões. A estimativa é o resultado do estudo mais abrangente sobre a economia do desmatamento. Segundo seus autores, esse investimento poderia, em sete anos, reduzir a destruição da floresta, hoje em torno de 1,4 milhão de hectares por ano, para índices inferiores aos da década de 80, quando o ritmo era de 40.000 hectares por ano. A partir de 2015, já se teria formado uma economia sustentável na região, baseada na exploração legalizada de madeira, e a pecuária e a agricultura ficariam restritas às áreas já abertas. (Hoje, 70% das áreas desmatadas estão abandonadas, porque é mais fácil desmatar uma região nova que recuperar a terra para plantio.) No lançamento do estudo, os pesquisadores propuseram um compromisso, o Pacto pela Valorização da Floresta e pelo Fim do Desmatamento na Amazônia. Receberam o apoio dos governadores do Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso e Pará, e o do presidente do BNDES, Luciano Coutinho, e da própria ministra do Meio Ambiente, Marina Silva. É uma proposta factível?

O desmatamento é um problema que o Brasil terá de enfrentar nas próximas décadas durante as negociações mundiais para o controle do clima. Não fosse por ele, o país seria um dos heróis mundiais na guerra contra as mudanças climáticas. O Brasil é um dos poucos países que podem se orgulhar de sua matriz energética. Mais de 80% de nossa eletricidade vem de usinas s hidrelétricas. Essa energia não depende da queima de combustíveis fósseis e não gera resíduos radioativos. Também temos um dos programas de geração de combustíveis mais inovadores do mundo. Cerca de 45% de nossos veículos são movidos a partir de fontes renováveis, como o álcool ou o biodiesel, que não contribuem para o aquecimento do planeta. A média mundial é de menos de 15%. O país seria um dos mais isentos de culpa pelas mudanças climáticas se não fosse o desmatamento.

O governo tem conseguido algumas vitórias. Em dois anos, reduziu pela metade o ritmo da devastação. O plano nacional de combate ao desmatamento foi um dos mais eficazes da História. “Conseguimos integrar 11 ministérios para reduzir as derrubadas na Amazônia. Foi um feito inédito”, diz André Lima, diretor de articulação de ações para a Amazônia, do Ministério do Meio Ambiente (MMA). Os pontos altos das ações foram a fiscalização integrada do Ibama com a Polícia Federal, a criação de novas bases de fiscalização na fronteira do desmatamento e a exoneração de funcionários corruptos dos órgãos ambientais. Nos últimos três anos, o governo federal criou 20 milhões de hectares de terras protegidas. Com tudo isso, em 2006, estima-se que o Brasil tenha evitado a emissão de 410 milhões de toneladas de gás carbônico.

Um município da Amazônia pode gerar US$ 75 milhões por ano com atividades que respeitam a floresta

Mas ainda é pouco. O próprio governo concorda que o índice atual de desmatamento é alto. “Estamos acima da média da década de 90”, diz Lima, do MMA. O país derruba um Sergipe a cada dois anos na floresta. Para evitar que o desmatamento volte a crescer, o plano federal de combate ao desmatamento terá de sofrer mudanças. “A proximidade das eleições municipais, que se caracterizam como anos de pico de desmatamento, somada à melhora no setor agrícola, vai exigir uma maior articulação dos governos federal e estaduais em relação ao problema”, diz Lima. O governo está certo em se adiantar. A revalorização dos produtos agrícolas começa a induzir a abertura de novas áreas na mata. Em Mato Grosso, maior produtor de grãos e carne do país, dados do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) mostram que o desmatamento cresceu 200%. “O leão do desmatamento está s adormecido, mas pode acordar a qualquer momento, e com muita fome”, diz o governador do Estado, Blairo Maggi. “Eu, que já fui dado como o Nero da Amazônia (quando declarou que o desmatamento era pequeno e a floresta podia ser mais derrubada), estou nessa mesa para ajudar.”

O estudo que serve de base para o pacto foi elaborado pelo economista Carlos Eduardo Young, da Universidade Federal do Rio de Janeiro. O levantamento considera fatores como o preço da terra na região, o valor pago pela madeira ilegal e o lucro da pecuária. A pesquisa foi inicialmente encomendada a Luciano Coutinho, que interrompeu o trabalho para assumir o BNDES, mas endossa seus resultados. “O banco se compromete não só com a redução do desmatamento, mas também com a recuperação do passivo florestal”, diz. “Inovações financeiras e criação de fundos vão contribuir para ações de uso sustentável dos recursos naturais, bem como auxiliar em outras atividades econômicas substitutivas que bloqueiem a depredação.”

O ponto mais delicado da proposta é o prazo de sete anos para zerar o desmatamento. Hoje, a discussão sobre as metas fixas para o fim do desmatamento é um dos grandes debates ambientais do país. A questão foi citada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva no início do mês, durante a Assembléia-Geral da ONU, em Nova York. O tema é considerado uma das divisões dentro do governo federal. A polêmica começou em 2006, quando o MMA lançou a proposta de inclusão da proteção das florestas na 12a Conferência das Partes da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP), que aconteceu em Nairóbi, no Quênia. O mecanismo proposto pelo Brasil às 189 nações da COP visa à criação de um fundo espontâneo para salvar as florestas tropicais do mundo. Os países ricos dariam dinheiro aos países com florestas para que estes as preservassem. A idéia não foi bem recebida. O secretário-executivo da Convenção sobre Mudanças Climáticas, Yvo de Boer, limitou-se a qualificar a sugestão brasileira de interessante. “Vamos analisar”, afirmou Boer. “A falta de comprometimento interno do Brasil em estabelecer metas fixas de combate ao desmatamento foi o que mais irritou os outros países”, diz Mauro Armelin, da WWF, que participou do encontro.

O governo tem alguns motivos para não aceitar compromissos internacionais. Para Sérgio Serra, embaixador especial do país para mudanças climáticas, as metas ferem a soberania nacional na gestão da Amazônia. “Não podemos deixar outros países dizerem como vamos administrar a região.” Outro argumento comum nos discursos oficiais relaciona a imposição de metas fixas como barreira ao crescimento econômico. “Os países desenvolvidos esquecem que a responsabilidade deles no problema é muito maior”, afirma José Domingos Gonzalez Miguez, coordenador-geral de mudanças globais do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT). “Eles cresceram sem limitação. Agora, dizem que não podemos crescer porque estamos sujando a atmosfera.”